Clarice Lispector talvez seja, hoje em dia, uma das escritoras brasileiras mais citadas na Internet. Sua crescente popularidade entre as gerações mais novas lhe rendeu inúmeros perfis e memes em redes sociais, todos dedicados a citar algumas de suas frases mais famosas como “Liberdade é pouco, o que eu desejo ainda não tem nome”.
100 anos de Clarice Lispector
A escritora que completa seu centenário em 2020 na verdade nasceu na Ucrânia e foi naturalizada brasileira. Sua família, que era judia, perdeu sua renda com a Guerra Civil Russa e emigrou para o Brasil quando Clarice tinha apenas 2 anos de idade. Não se considerava ucraniana, dizia “Naquela terra eu literalmente nunca pisei: fui carregada de colo”. Considerava-se brasileira e pernambucana, onde viveu até os 14 anos de idade.
Dominava pelo menos sete idiomas: português, inglês, francês e espanhol, fluentemente; hebraico e iídiche, com alguma fluência; e russo, com pouca fluência.
Muito se diz sobre sua carreira como escritora, mas poucas pessoas sabem que Clarice, como muitos escritores de sua época (e escritoras, como Rachel de Queiroz ), também trabalhou como tradutora para os idiomas inglês, francês e espanhol.
Clarice Lispector: tradutora
Traduziu cerca de 35 livros de diferentes gêneros e autores, além de contos, peças e artigos. Traduziu de Agatha Christie a Tchecov, peça essa que acabou “saindo de suas mãos” depois de diversos desentendimentos com o diretor que insistia em interferir na sua tradução.
“Traduzo, sim, mas fico cheia de medo de ler traduções que fazem de livros meus.”
Ela foi e continua sendo amplamente traduzida por todo o mundo. Sua obra já recebeu mais de 200 traduções para 10 idiomas.
Sobre a experiência de traduzir Clarice, a tradutora americana Katrina Dodson disse que foi um grande sonho e uma experiência transformadora. “Para quem não é falante nativo do português é fácil perder a sutileza com que ela deforma a língua portuguesa.” Afirmou Dodson em entrevista ao Jornal do Commercio em 2015.
A própria Clarice também tinha suas opiniões sobre ser traduzida para outros idiomas.
Fidelidade na tradução
Publicou em 1968, na Revista Jóia, uma crônica intitulada “Traduzir procurando não trair” (uma variação da conhecida expressão em italiano “traduttore, traditore” – tradutor, traidor) em que faz reflexões sobre o ofício da tradução e sobre suas preocupações em manter a fidelidade na sua tradução. Clarice considerava também que traduzir é um “trabalho de minúcias” e como é um processo complicado e detalhista.
Na crônica, ela achou “estranho” que o tradutor americano Gregory Rabassa tenha achado que ela era mais difícil de traduzir do que Guimarães Rosa por causa de sua sintaxe. Ao final, embora tenha considerado que a tradução estava boa, disse que lhe dava enjoos reler suas coisas.
Parte da dificuldade de se traduzir Clarice deve partir do seu estilo de escrita. A autora utilizava com frequência o recurso de “fluxo de consciência”, que é caracterizado pelo personagem ou narrador tendo divagações sobre questões diversas, pensando e filosofando sobre a vida.
Neste ano em que comemoramos 100 anos do nascimento de Clarice, a Aliança Traduções celebra as suas muitas facetas, como escritora, tradutora e, até mesmo, “diva” das redes sociais.
Como não poderia deixar de ser, encerramos esse post com uma frase dela e agradecemos a ela por ser tão inspiradora, mesmo cem anos depois.
Bem sei que é assustador sair de si mesmo, mas tudo o que é novo assusta.”
“A Hora da Estrela” de Clarice Lispector